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Overdiagnosis: Um alerta à classe médica

Há uma década, o Professor Antônio Frederico Magalhães, titular da UNICAMP, escreveu um alerta à classe médica sobre o “overdiagnosis”. Esse texto me chegou às mãos pelo amigo Bruno Sanches, atual presidente do Núcleo Brasileiro para Estudo do H pylori e Microbiota.

Ao lê-lo, é fácil perceber a postura de um médico que tem compromisso largo com a medicina, muito além do saber técnico e das minúncias da sua especialidade. Isso fica claro pela grande atenção dada por ele ao primeiro evento “Preventing Overdiagnosis”, ocorrido em 2013 na cidade de Dartmouth, nos Estados Unidos. Desde então, esse evento passou a ser anual, com o propósito de discutir os potenciais danos que os excessos da medicina podem acarretar à saúde das pessoas.

Baseando-se em artigos de revistas essenciais, como British Medical Jornal, New England Journal of Medicine, JAMA, Lancet e Archives of Internal Medicine, o Professor Frederico assinala que indivíduos saudáveis e assintomáticos dificilmente escapam ao diagnóstico de alguma doença quando submetidos às baterias de exames, cada vez mais ampliadas. Especial atenção deve ser dada aos achados incidentais de exames de imagem e ao prejuízo à saúde que resultados de exames falsos positivos podem acarretar, expondo pessoas sadias a intervenções desnecessárias.

Considerando o cenário da gastroenterologia, ele cita as diretrizes da FBG que orientam não banalizar a indicação de endoscopia digestiva alta em pacientes jovens com dispepsia, e as recomendações recém-publicadas pela Sociedade Britânica de Gastroenterologia que desaconselham a vigilância endoscópica obsessiva para segmentos curtos de epitélio de Barrett. Aqui ele antecipa um papel que as Sociedades Médicas viriam a assumir, por estímulo do movimento Choosing Wisely, que propõe buscar as melhores evidências científicas para sustentar também o que não deve ser feito.

Não escapou à sua visão o dilema ético da distanásia, caracterizada ao se indicar intervenções endoscópicas para pacientes em estado terminal, e também os vieses científicos que impulsionam a prescrição pouco criteriosa de medicamentos como estatinas e antidepressivos. A preocupação com a “polifarmácia” era muito justa, já que o tempo mostrou que ela se tornaria a principal doença do idoso contemporâneo. Na mesma linha, foi premonitório o alerta sobre a panaceia que se anunciava pela prescrição indiscriminada de suplementos vitamínicos, sem qualquer fundamento científico – parece que o Dr. Frederico já antevia o mercado das ilusões, hoje tão rutilante nas redes sociais e personalizado pela famigerada “Medicina Integrativa”, que abusa de argumentos tecnicamente e moralmente frágeis para demandar exames infinitos, vender soros coloridos e suplementos perigosos. Mais, ele ressaltava o quanto o conceito de medicina preventiva vinha sendo deturpado, ao superestimar exames complementares e desvalorizar as simplicidades virtuosas, essas sim, de base científica consolidada.

A leitura do texto também me despertou um sentimento de especial satisfação, ao perceber que, ao escrever o livro “Medicina Excessiva: suas causas e seus impactos”2, acabei seguindo por aquele caminho que o professor Frederico já apontava e que nada mais é do que a trilha hipocrática, aquela que tem como princípio básico o “primun non nocere” - primeiro não causar dano.

A medicina vive um momento nebuloso, em que a sua essência se vê ameaçada por muitos ofensores: formação deficiente, tecnicismo, mercantilismo, linhas de produção de doenças, supervalorização do nada, epidemia de iatrogenias, negação da morte. Essa é a temática do “Medicina Excessiva” que, no fundo, é um manifesto de resistência pela medicina clássica, que não precisa abrir mão de suas raízes históricas para assimilar as novas tecnologias, utilizando-as, contudo, de forma mais racional.

Houve um momento na história da humanidade em que os grandes artistas se uniram para fazer renascer a cultura clássica e iluminar o ambiente medieval tão cinzento. Agora, os grandes médicos é que são convocados para não deixar morrer a nobre arte que nos legou Hipócrates, a quem juramos honrar!

Guilherme Santiago Mendes
Gastroenterologista, Hepatologista, Preceptor de Residência, Professor de Semiologia, Coordenador do Núcleo de Ensino e Pesquisa do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais.


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