Artigos Seminais

Artigos Seminais

Que esperar da terapia dupla com vonoprazan e amoxicilina na erradicação do H. pylori?

Expectations for the Dual Therapy with Vonoprazan and Amoxicillin for the Eradication of H. pylori. Furuta T, Yamade M, Higuchi T, et al. J Clin Med 2023 Apr 25;12(9):3110.

Comentaristas:
James Ramalho Marinho e Fábio Ramalho Tavares Marinho (AL).

Resumo:
O artigo apresenta uma revisão sobre as terapias duplas no tratamento de erradicação do H. pylori, destacando a maior potência inibitória da acidez gástrica pelo vonoprazan (VPZ) em relação aos inibidores das bombas de prótons. Os estudos analisados mostram que a terapia dupla vonoprazan + amoxicilina (AMOX) atinge taxas de erradicação aceitáveis com menor ocorrência de efeitos adversos em comparação com as terapias triplas ou quádruplas. Os autores concluem que a terapia dupla VPZ+AMOX é um regime de erradicação útil para a infecção por H. pylori.

Comentários:
Esse trabalho foi elaborado por um grupo japonês com larga experiência em terapias duplas na erradicação do H. pylori, inclusive com uso do vonoprazan. Análise inicial aborda a crescente e preocupante resistência à claritromicina (CLM), droga incluída em grande parte das terapias triplas do H. pylori, resultando em decréscimo global nas taxas de erradicação. As terapias quádruplas com ou sem bismuto, apesar de apresentarem boas taxas de erradicação, frequentemente são acompanhadas de efeitos adversos significantes. Surgiu, então, a opção da terapia dupla com IBPs + amoxicilina, com taxas de erradicação amplamente variáveis nas diversas regiões. Com a chegada do vonoprazan ao mercado em 2015, uma droga que promove a inibição ácida mais rápida e com uma potência muito superior aos IBPs, vários estudos foram iniciados para avaliar a sua eficácia em terapias triplas ou duplas e os resultados foram bastante satisfatórios.

Taxas de erradicação de 82% obtidas com a terapia tripla VPZ+CLM+AMOX em pacientes resistentes à claritromicina, ou seja, em indivíduos onde a CLM seria dispensável, despertou o interesse em testar a eficácia da terapia dupla.

O racional da importância da inibição ácida na terapia do H. pylori evidencia-se principalmente na ação da AMOX, que, para inibir a síntese da parede celular bacteriana, necessita ligar-se à proteína de ligação à penicilina (PBP). Em pH 7,4, o H. pylori prolifera vigorosamente e a expressão de PBP, alvos da AMOX também aumenta, indicando que a AMOX seria bem mais eficaz. Além disso, a inibição da secreção ácida leva à estabilização das drogas antibacterianas no estômago e aumenta sua concentração no suco gástrico. Estudo sobre inibição ácida na terapia do H. pylori revelou que se o pH intragástrico médio de 24 h não for inferior a 6,5, as cepas resistentes a CLM podem ser erradicadas, sugerindo que a erradicação do H. pylori pode ser obtida com um único antibiótico, como a amoxicilina. A CLM é inibidora de rRNA, consequentemente, inibe a síntese de proteínas, incluindo PBP, o que pode reduzir a sensibilidade à AMOX. Pelos princípios farmacológicos, não se deveria associar um antibiótico bacteriostático (CLM) com um bactericida de parede (AMOX). Entretanto, em casos que o paciente estiver infectado com cepas sensíveis a CLM, não há problema porque elas podem ser mortas pela CLM. Em casos infectados com cepas de H. pylori resistentes à CLM, o efeito inibitório da CLM no rRNA pode afetar a síntese da PBP, levando a sensibilidade reduzida à AMOX. Essa ação promove prejuízos nos resultados das terapias triplas contendo CLM, porém inexistentes quando se utiliza a terapia dupla.

Nos estudos de tratamento com terapia dupla com IBPs, dosagens diárias maiores resultaram em melhores taxas de erradicação. Essa terapia, utilizando-se IBPs de segunda geração + AMOX, já está aprovada para uso na China. Um estudo revelou que pH intragástrico médio de 6,8 em 24 horas pode ser alcançado por VPZ 20mg duas vezes ao dia, sem sofrer influência pelo polimorfismo CYP2C19. Dessa forma, a inibição ácida gástrica necessária para a erradicação do H. pylori pela terapia dupla com AMOX pode ser alcançada por VPZ 20 mg duas vezes ao dia, independentemente do polimorfismo CYP2C19.

A ação antimicrobiana da AMOX é dependente do tempo acima da concentração inibitória mínima (MIC), daí a necessidade da sua administração na terapia dupla ser de 3 a 4 vezes por dia para que se consiga taxas de erradicação acima de 90%, como demonstram os estudos.

Vários trabalhos foram publicados sobre a terapia dupla VPZ+AMOX, com diferentes dosagens da AMOX e duração do tratamento, exibindo resultados de erradicação inferiores quando o tratamento abrange entre 7-10 dias, exceto em alguns estudos japoneses em que a duração de 7 dias atingiu taxas de erradicação aceitáveis. Duração de 14 dias parece ser a mais adequada. A quase totalidade dos estudos publicados foram realizados com indivíduos asiáticos, distintos geneticamente e metabolicamente dos ocidentais. Estudo incluindo apenas indivíduos norte-americanos e europeus obteve uma taxa de erradicação insuficiente, de 78,5%. Em recente publicação, Graham¹ aborda as possíveis razões para os resultados inaceitáveis das taxas de erradicação nesse estudo em ocidentais: redução das concentrações intragástricas de antibióticos, aumento na heterorresistência (resistência que surge durante a terapia) e falha em atingir um pH intragástrico propício para a amoxicilina erradicar a infecção. Trabalho multicêntrico europeu com dados do Registro Europeu de Manejo de Helicobacter pylori, avaliando a eficácia de terapia dupla de altas doses, revelou taxas de erradicação de apenas 52% (PP).²

Duas são as vantagens práticas na utilização da terapia dupla com VPZ+AMOX: menor incidência de efeitos adversos em comparação com as demais terapias e utilização apenas de um antibiótico, reduzindo o risco de interações medicamentosas, sem redução das taxas de erradicação. Resta, apenas, estabelecer os esquemas de dosagem ideais da terapia dupla VPZ+AMOX a serem desenvolvidos para cada região e etnia. No Brasil, com a crescente resistência à claritromicina e com poucas opções terapêuticas para a erradicação do H. pylori, a terapia dupla VPZ+AMOX pode ser uma boa alternativa.

¹Graham DY. Why the Vonoprazan Helicobacter pylori Therapies in the US-European Trial Produced Unacceptable Cure Rates. Dig Dis Sci 2023 May;68(5):1691-7.
²Fernández-Salazar L, Campillo A, Rodrigo L, et al. Effectiveness and Safety of High-Dose Dual Therapy: Results of the European Registry on the Management of Helicobacter pylori Infection (Hp-EuReg). J Clin Med 2022 Jun 20;11(12):3544.

Compartilhe esse conteúdo
Que tal acessar mais alguns conteúdos?
Artigos Seminais

Transplante de microbiota fecal no Brasil: onde estamos em 2023?

Estudo piloto prospectivo, realizado entre 2017 e 2020, sobre a experiência inicial do centro de transplante de microbiota fecal do Hospital das Clínicas da UFMG com o tratamento de pacientes acometidos por infecção recorrente pelo Clostridioides difficile.

Artigos Seminais

H. pylori e genética no câncer gástrico: cumplicidade fatal

A infecção por Helicobacter pylori é um fator de risco bem conhecido para câncer gástrico. No entanto, ainda não foi amplamente avaliada, em conjunto, a contribuição de variantes patogênicas germinativas em genes predisponentes a câncer com a infecção por H. pylori.

Ótimo!

Comentário enviado