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Metaplasia e Atrofia Gástrica - Perguntas e respostas

A sessão de estudos deste mês foi motivada pela pergunta enviada por um destacado colega envolvido nas atividades do Registro Brasileiro sobre a infecção por Helicobacter pylori (HP).

Segue o questionamento feito:
“Paciente com metaplasia intestinal incompleta multifocal (corpo + antro) OLGIM III e pesquisa de HP negativa à histologia e urease. Você pesquisaria a bactéria por outro método (considerando a possibilidade de falso-negativo em razão do epitélio gástrico metaplásico)?”

Resolvemos compartilhar a pergunta e divulgar a resposta com base na revisão da literatura.
Embora alguns trabalhos tenham sugerido que a presença de metaplasia seja o ponto de não retorno na cascata da carcinogênese gástrica, ainda existe controvérsia sobre se a metaplasia pode ser revertida¹. Ainda assim, a erradicação de HP nesse contexto é defendida por ter ação na prevenção ou atraso no surgimento do câncer gástrico¹. Portanto, o IV Consenso Brasileiro sobre a infecção por H. pylori recomenda o tratamento de HP nos casos de metaplasia intestinal².

Como bem observou o colega, o tecido metaplásico está sujeito à pesquisa falso-negativa para a infecção por HP. Nesses casos, a pesquisa de HP pode ser negativa à análise por métodos convencionais (histologia e coloração por hematoxilina e eosina - HE) ou mesmo sob colorações especiais, a despeito de evidências sorológicas da infecção. Essa negatividade correlaciona-se com a hipocloridria secundária ao desenvolvimento de metaplasia intestinal, o que torna o ambiente desfavorável à colonização por HP. Além disso, a baixa prevalência de HP no antro atrófico e metaplásico tende a se acompanhar de mudança na colonização, isto é, o acometimento das regiões mais proximais do estômago (corpo e fundo), como resultado das condições hostis à bactéria presentes no antro, incluindo elevação do pH quando a atrofia e metaplasia ocorrem mais frequentemente³.

A sensibilidade e especificidade da coloração de HE variam de 69-93% e 87-90%, respectivamente³. No caso do epitélio atrófico e metaplásico, espera-se diminuição na densidade bacteriana de HP, o que pode comprometer a positividade da pesquisa por HE. Colorações especiais podem ser empregadas para elevar a precisão da pesquisa histológica, atingindo até 90-100% de especificidade, como os métodos Giemsa, coloração pela prata, Genta e imunohistoquímica (IHQ). O Giemsa é fácil de ser empregado, não é considerado caro e fornece resultados consistentes, por isso tem sido preferido por muitos laboratórios. A coloração pela prata, apesar de seu papel histórico na demonstração original de HP, é cara e tem resultados nem sempre reprodutíveis. O método Genta é tecnicamente complexo, caro e demorado.

A IHQ é uma técnica altamente sensível e específica, por excluir organismos com morfologia similar à HP, podendo ser empregada nas seguintes situações: evidência de gastrite em atividade e pesquisa negativa de HP por HE e Giemsa; controle de tratamento de HP em linfoma MALT para garantia da erradicação; dúvida diagnóstica quando formas cocoides e outros organismos similares a HP são identificados nas colorações de rotina³.

Em trabalho de Akeel et al., os autores sugerem que a IHQ permite o diagnóstico de HP nos casos de infecções mínimas e atípicas, podendo ser uma alternativa aos métodos moleculares genotípicos⁴. Outra importante contribuição da IHQ é seu potencial para identificação de H. pylori intracelular, particularmente importante em casos de insucesso terapêutico⁵. Trata-se, porém, de um método mais demorado e oneroso.

O IV Consenso Brasileiro de HP reconhece o TR¹³ C como padrão-ouro da infecção dentre os métodos não invasivos, podendo ser empregado como alternativa à pesquisa de antígeno fecal com anticorpos monoclonais. O consenso aceita ainda o emprego da sorologia como método diagnóstico inicial de HP nos casos de gastrite atrófica, linfoma MALT, sangramento digestivo e câncer gástrico, justamente por serem situações de menor densidade bacteriana e maior chance de falsos-negativos por outros métodos.

É amplamente reconhecido que H. pylori é um microrganismo causador de atrofia e metaplasia gástrica, lesões precursoras do câncer gástrico do tipo intestinal. A publicação recente de pesquisadores de Hong Kong, demonstrando que o Streptococcus anginosum é capaz de, no modelo animal, promover a sequência tumorigênica atrofia-metaplasia e displasia gástrica, traz novas luzes e perspectivas para o estudo do câncer gástrico humano⁶. Este artigo, inclusive, será tema de um dos próximos Artigos Seminais, revisões publicadas regularmente no site do NBEHPM. Não percam!

Conclusão:
Após estudo da questão, segue a resposta:

Sim, está indicada a pesquisa de HP por outro método, considerando a chance de falso-negativo da histologia e teste de urease na metaplasia intestinal. Podem ser feitos teste respiratório, antígeno fecal, revisão de lâmina por IHQ e mesmo sorologia. A positividade indicará o tratamento, e o controle de cura poderá ser feito por teste respiratório, antígeno fecal ou IHQ (caso positivos no diagnóstico).

Caso outros colegas queiram contribuir com suas dúvidas e sugestões para nosso informativo, o Núcleo Brasileiro para Estudo do Helicobacter pylori e Microbiota segue à disposição.
 

Referências:
1. He, Q., Liu, L., Wei, J. et al. Roles and action mechanisms of bile acid-induced gastric intestinal metaplasia: a review. Cell Death Discov. 8, 158 (2022). https://doi.org/10.1038/s41420-022-00962-1

2. Coelho LGV, Marinho JR, Genta R, et al. IVTH Brazilian Consensus Conference on Helicobacter Pylori Infection. Arq Gastroenterol 2018; 55(2): 97-121 [PMID: 30043876 DOI: 10.1590/S0004-2803.201800000-20]

3. Lee JY, Kim N. Diagnosis of Helicobacter pylori by invasive test: histology. Ann Transl Med. 2015 Jan;3(1):10. doi: 10.3978/j.issn.2305-5839.2014.11.03. PMID: 25705642; PMCID: PMC4293485.

4. Akeel M, Elhafey A, Shehata A, et al. Efficacy of immunohistochemical staining in detecting Helicobacter pylori in Saudi patients with minimal and atypical infection. Eur J Histochem. 2021 Jul 20;65(3):3222. doi: 10.4081/ejh.2021.3222. PMID: 34284564; PMCID: PMC8314390.

5. Beer A, Hudler H, Hader M, et al. Apparent intracellular Helicobacter pylori detected by immunohistochemistry: The missing link in eradication failure. Clin Infect Dis. 2021 Oct 5;73(7):e1719-e1726. doi: 10.1093/cid/ciaa839. PMID: 32569354.

6. Fu K, Cheung AHK, Wong CC, et al. Streptococcus anginosus promotes gastric inflammation, atrophy, and tumorigenesis in mice. Cell. 2024 Feb 15;187(4):882-896.e17. doi: 10.1016/j.cell.2024.01.004. Epub 2024 Jan 30. Erratum in: Cell. 2024 Nov 14;187(23):6783. doi: 10.1016/j.cell.2024.10.036. PMID: 38295787. 

 

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