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O uso prolongado de IBP aumenta o risco de câncer gástrico?

Autor: Dr. Laercio Tenório Ribeiro.

Desde seu lançamento, no final da década de 1980, os IBPs estão entre os medicamentos mais comumente prescritos1. São a principal indicação para o tratamento de alguns distúrbios do aparelho digestivo alto, como DRGE, dispepsia e úlcera péptica. Sua efetividade e seu perfil de segurança têm levado à superutilização, por prescrição médica ou por indicação de leigos, o que aumenta o risco potencial de eventos adversos. Estudo avaliando a utilização de IBPs na Austrália, demonstrou que apenas 37,1% dos pacientes os utilizavam de acordo com as indicações definidas nas diretrizes da Australian Schedule of Pharmaceutical Benefits2. A maior preocupação tem sido com as consequências do uso prolongado destes medicamentos, que podem levar à hipergastrinemia, à hipertrofia das células parietais, com consequente rebote ácido após sua suspensão, e à hiperplasia das células enterocromafins. Fiocca et al.3 avaliaram as consequências do uso regular de esomeprazol por 5 anos, comprovando aumento significativo na densidade das células enterocromafins, sem qualquer evidência, no entanto, de displasia ou neoplasia. Não evidenciaram o desenvolvimento de metaplasia ou atrofia na mucosa oxíntica. A avaliação das consequências do uso prolongado dos IBPs é prejudicada, no entanto, pela falta de estudos randomizados e controlados, com as melhores evidências apoiando a associação com infecção pelo Clostridium difficile4, em grupos de risco. Outros eventos adversos como fraturas ósseas, pneumonia, nefrite intersticial, deficiências nutricionais e carcinóide gástrico são plausíveis, porém carecem de evidências que demonstrem sua relevância clínica.


A finalidade deste comentário é discutir o trabalho de Cheung et al.5, que concluiram, utilizando a base de dados do Clinical Data Analysis and Reporting System (CDARS) of the Hong Kong Hospital Authority, que o uso prolongado de IBPs após tratamento bem sucedido de erradicação do Helicobacter pylori, aumentou o risco de cancer gástrico em 2.4 vezes. Essa associação entre uso prolongado de IBPs e risco de cancer gástrico tem sido abordada por diversos autores, com resultados imprecisos. Song et al.6, em revisão sistemática e metanálise, avaliaram a influência do uso crônico de IBP no surgimento ou progressão de lesões pré-malignas gástricas, como gastrite atrófica, metaplasia intestinal, hiperplasia de células enterocromafins e displasia, em indivíduos que fizeram uso prolongado de IBPs (6 meses ou mais). Foram incluídos 7 estudos randomizados e controlados (1789 participantes), 4 deles com alto risco de viés e 3 com risco de viés indeterminado.  Concluiram que não está claro que o uso prolongado de IBPs cause ou acelere a progressão de atrofia gástrica ou metaplasia intestinal, podendo estar, no entanto, associado à hiperplasia de células enterocromafins. Uma outra revisão sistemática e metanálise, de Tran-Duy et al.7, avaliando a influência do uso prolongado (> 1 ano) de IBPs no surgimento de pólipos de glândulas fúndicas e de cancer gástrico, incluindo 12 estudos compreendendo mais de 87.324 pacientes, concluiu que o uso crônico de IBPs está associado a maior risco de pólipos de glândulas fúndicas, e poderia estar associado a risco aumentado (43%) de cancer gástrico, porém esta última associação é incerta.


No trabalho de Cheung et al.5, foram elegíveis para o estudo 63.397 indivíduos, dos quais 153 (0,24%) desenvolveram cancer gástrico após um acompanhamento médio de 7,6 anos. Não há referência ao diagnóstico de atrofia gástrica ou metaplasia intestinal antes do tratamento de erradicação do H. pylori, o que poderia modificar a interpretação dos dados, uma vez que é sabido que fazem parte da cascata de evolução do cancer gástrico do tipo intestinal, o mais relacionado à infecção pelo H. pylori. Em metanálise de Chen et al.8, os achados sugerem que pacientes com metaplasia intestinal ou displasia podem não se beneficiar da erradicação do H. pylori, no que se refere ao risco de cancer gástrico. Os achados de Cheung et al. servem para nos alertar sobre possível consequência grave do uso prolongado de IBPs, o aumento do risco de cancer gástrico. Seus resultados sugerem, também, que o risco aumenta proporcionalmente à dose e duração de uso. No entanto, o fato de ser um estudo retrospectivo, com material coletado em base de dados, torna os dados passíveis de imprecisão, o que compromete o resultado final. Estudos de melhor qualidade metodológica poderão, no futuro, esclarecer melhor esta possível relação, o que poderia implicar em mudança radical na relação com os IBPs.

 

Referências
1 – Forgacs I, Loganayagam A. Overprescribing proton pump inhibitors – Is expensive and not evidence based. Brit Med J 2008; 336: 2-3
2 – Naunton M, Peterson GM, Bleasel MD. Overuse of proton pump inhibitors. J Clin Pharm Ther 2000; 25: 333-40
3 – Fiocca R, Mastracci L, Attwood SE, Ell C, Galmiche J-P, Hatlebakk J et al. Gastric exocrine and endocrine cell morphology under prolonged acid inhibition therapy: results of a 5-year follow-up in the LOTUS trial. Aliment Pharmacol Ther 2012; 36: 959-71.
4 – Abraham NS. Proton pump inhibitors: potential adverse effects. Curr Opin Gastroenterol 2012; 28: 615-20
5 –   Cheung KS, Chan EW, Wong AYS, Chen L, Wong ICK, Leung WK. Long-term proton pump inhibitors and risk of gastric cancer development after treatment for Helicobacter pylori: a population-based study.
6 – Song H, Zhu J, Lu D. Long-term próton pump inhibitor (PPI) use and the development of gastric pre-malignant lesions. Cochrane Database of Systematic Reviews 2014, Issue 12. Art. No.: CD010623
7 – Tran-Duy A, Spaetgens B, Hoes AW, de Wit NJ, Stehouwer CDA. Use of proton pump inhibitors and risks of fundic gland polyps and gastric cancer: systematic review and meta-analysis. Clin Gastroenterol Hepatol 2016; 14: 1706-19
8 – Chen H-N, Wang Z, Li X, Zhou Z-G. Helicobacter pylori eradication cannnot reduce the risk of gastric cancer in patients with intestinal metaplasia and dysplasia: evidence from a meta-analysis. Gastric Cancer 2016; 19: 166–175

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