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Mycobiota-host immune interactions in IBD: coming out of the shadows Ilyan D. Iliev

O estudo da nossa microbiota tem despertado interesse cada vez maior. Inicialmente, apenas as bactérias foram alvo de estudos por parte dos pesquisadores. Logo, no entanto, outros componentes da microbiota intestinal, como vírus, fungos e archaea, despertaram a atenção dos estudiosos, como parte importante desse microambiente. Nesse artigo de revisão de Iliev, o autor enfatiza o aumento das pesquisas realizadas em 2021 a respeito do papel dos fungos em múltiplos processos, como no ecossistema intestinal, na homeostase imune e na fisiopatologia das doenças intestinais inflamatórias (DIIs).

Já sabemos, de há muito, que as DIIs estão relacionadas com disbiose intestinal. Em 2016, Hoarau et al.1 realizaram estudo para caracterizar a microbiota intestinal bacteriana e a comunidade fúngica (micobioma) em pacientes com doença de Crohn e em seus parentes de primeiro grau sem a doença, assim como em indivíduos saudáveis de quatro famílias sem relação com a  doença de Crohn e que viviam na mesma região. Seus resultados os levaram a identificar espécies de fungos, como Candida tropicalis, e de bactérias, como Serratia marcescens e Escherichia coli, associados com disbiose na doença de Crohn, e que os níveis de anticorpos anti-Saccharomyces cerevisiae (ASCA – um conhecido marcador da doença de Crohn), estão associados com a abundância de Candida tropicalis, o que os levou a concluir que essas bactérias e fungos têm papel na fisiopatologia da doença de Crohn, e que seus achados podem levar a novas abordagens terapêuticas e diagnósticas. Em 2007, em estudo para investigar os efeitos do Saccharomyces boulardii na inflamação e na colonização intestinal por Candida albicans, Jawhara& Poulain2 concluíram que o Saccharomyces boulardii (um fungo não patogênico) diminuiu a inflamação e a colonização por Candida albicans em ratos com colite quimicamente induzida.

O que determina o nosso micobioma? Hoffmann et al.3, em estudo para investigar associações entre dieta e populações de fungos e archaea em amostras de 98 indivíduos bem caracterizados, encontraram 66 gêneros de fungos, e a presença de Candida estava positivamente associada com dietas ricas em carboidratos, e negativamente com aquelas ricas em aminoácidos, proteínas e ácidos graxos, sugerindo que a dieta é fator determinante da nossa micobiota e, por que não, da nossa microbiota como um todo.

As novas formas de sequenciamento genético, como o 16s rRNA e o pirosequenciamento, permitiram identificar inúmeros micro-organismos até então desconhecidos, incluindo aqueles não passíveis de cultura, único método disponível anteriormente. Com esses métodos é possível identificar todos os componentes da nossa microbiota (bactérias, archaea, vírus e fungos), permitindo avaliar sua composição nas diversas situações de saúde e de doença, sua interrelação e seu metoboloma. Da mesma maneira, é agora possível avaliar a diversidade e a abundância de determinados filos, gêneros ou espécies dentro de uma dada amostra, o que permitiu fazer associações entre diversidade e/ou abundância e certas doenças.

Nesse artigo, motivo do nosso comentário, Iliev ressalta estudo em animais de experimentação, onde o uso de antibióticos de amplo espectro levou à expansão de Debaryomyces hansenii, que interferiu com a cicatrização de ferimentos na parede intestinal. Esta cicatrização foi restaurada após uso de anfotericina B (anti-fúngico)4. Em sua conclusão, Iliev enfatiza a influência dos anticorpos anti-micobiota, agindo nas adesinas do Candida albicans e nos fatores de virulência secretados por esse fungo (candidalisina e Sap6); a influência de determinadas espécies de Candida relacionadas aos alimentos, como o Debaryomyces hansenii, na fisiologia intestinal e na dificultação da cicatrização de ferimentos; e, finalmente, que Saccharomyces cerevisiae transgênico pode ser um exemplo de um potencial tratamento para as DIIs, no futuro.

Deveremos aguardar novas abordagens sobre o assunto e a definição de como “manipular” nosso micobioma, de forma a favorecer o tratamento das DIIs.

REFERÊNCIAS
1 – Hoarau G, Mukheriee PK, Gower-Rousseau G, Hager C, Chandra J, Refuerto MA et al. Bacteriome and mycobiomeinteractionsunderscore microbial dysbiosis in familial Crohn’s disease. mBio 2016; 7(5): e01250-16
2 –Jawhara S, Poulain D. Saccharomyces boulardiidecreasesinflammation and intestinal colonizationbyCandida albicans in a mouse modelofchemically-inducedcolitis. MedMycol2007; 45: 691-700
3 –Hoffmann C, Dollive S, Grunberg S, Chen J, Li H, Wu GD et al. Archaea and fungiofthehumangut microbiome: correlationswith diet and bacterialresidents. PLOS ONE 2013; 8(6): E66019
4 –Jain U, Heul AMV, Xiong S, Gregory MH, Demers EG, Kern JT et al. Debaryomycesisenriched in Crohn’s disease intestinal tissue and impairshealing in mice. Science 2021; 371 (6534): 1154-59. Doi:20.1126/Science.abd0919
5 – Scott BM, Gutiérrez-Vázquez C, Sanmarco LM, Pereira JAS, Li Z, Plasencia A et al. Self-tunableengineeredyeastprobiotics for thetreatmentofinflammatoryboweldisease. Nat Med 2021; 27: 1212-22

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Ótimo!

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