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Gastrite atrófica autoimune: fator de risco para adenocarcinoma gástrico?

Autoimmune gastritis: long-term natural history in naive Helicobacter pylori-negative patients
Rugge M, et al. Gut 2023; 72:30-38.


Comentaristas: 
Bruno Squárcio F. Sanches e Luiz Gonzaga Vaz Coelho

Resumo: 
Em estudo prospectivo, 211 pacientes adultos portadores de gastrite atrófica autoimune e infecção gástrica por H. pylori comprovadamente ausente (métodos histológicos, sorológicos e moleculares) foram acompanhados por exames endoscópicos, histológicos e imunistoquímicos por um período médio de 7,5 anos. Os achados mostraram que quando a infecção por H. pylori era rigorosamente excluída, a gastrite atrófica autoimune não constituía risco para o desenvolvimento de câncer gástrico. Tanto nas biópsias iniciais quanto no seguimento, o estadiamento histológico das gastrites pelo sistema OLGA mostrou prevalência em torno de 95% nos estágios 0, I e II, < 5% no estágio III e 0% no estágio IV.  Em relação à hiperplasia de células enterocromafins (ECL), característica fundamental da gastrite autoimune, foi observada uma progressão da apresentação difusa para adenomatoide, com tumores neuroendócrinos tipo 1 (carcinoides) sendo identificados em 10/211 (4,7%) dos pacientes. Os autores concluem que isoladamente, a gastrite autoimune não representa risco aumentado para o câncer gástrico, sendo provável que o aumento no risco descrito em trabalhos anteriores decorra de coinfecção prévia e não reconhecida por H. pylori.

Comentários:
Trabalho unicêntrico italiano de um dos mais importantes grupos de patologia gástrica do mundo. Ao analisar a história natural de pacientes com gastrite autoimune sem coinfecção por H. pylori, os autores demonstram que essa entidade, embora compartilhe da mesma condição pré-carcinogênica — atrofia gástrica consequente à perda de células parietais — com a gastrite atrófica associada à infecção por H. pylori, cursa de maneira distinta como fator de risco para o adenocarcinoma gástrico. A compreensão do motivo pelo qual a perda de células parietais na infecção por H. pylori e a presença de anticorpos anti-células parietais na gastrite autoimune, provoque diferentes respostas imunes persiste pouco conhecida.  James Goldering (Vanderbilt University Medical Center, EUA) (1), ao comentar, no mesmo fascículo da publicação do estudo italiano, especula que as respostas possam estar no meio pré-neoplásico e sua influência sobre as linhagens gástricas, incluindo o padrão do processo inflamatório e o tipo predominante de metaplasia observada (pilórica, pseudo pilórica, intestinal tipo completa ou intestinal tipo incompleta), sintetizados na figura abaixo:
 


Um estudo norte americano recente (2) parece reforçar essa hipótese: ao avaliar a prevalência de metaplasia completa versus incompleta em 386 biópsias gástricas de pacientes com afecções gástricas de diferentes riscos para adenocarcinoma gástrico, foi observado que a metaplasia incompleta foi significativamente mais prevalente (37,7%) em pacientes com gastrite por H. pylori, comparada com 8,3% daqueles portadores de gastrite autoimune.

No Brasil, convive-se com alta prevalência da infecção por H. pylori na população e escassez de testes múltiplos para afastar com segurança a presença de coinfecção por H. pylori em pacientes portadores de gastrite autoimune. Assim, em pacientes com gastrite autoimune, vale a recomendação de vigilância endoscópica periódica com protocolos que avaliem a presença e extensão da atrofia/metaplasia (sistemas OLGA e/ou OLGIM) associada à busca, tratamento e controle da erradicação de H. pylori quando presente, bem como o surgimento e evolução de tumores neuroendócrinos.

1. Goldenring J. No H. pylori, no adenocarcinoma for patients with autoimmune gastritis. Gut 2023;72:1–2.
2. Genta RM, Turner KO, Robiou CI, et al. Incomplete intestinal metaplasia is rare in autoimmune Gastritis. Dig Dis (in press).

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