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Compensa erradicar H. pylori no paciente idoso?

Helicobacter pylori eradication for primary prevention of peptic ulcer bleeding in older patients prescribed aspirin in primary care (HEAT): a randomised, double-blind, placebo-controlled trial. 
Hawkey C, Avery A, Coupland CAC, et al. 
Lancet. 2022 Nov 5;400(10363):1597-1606.

Acesso livre: https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2822%2901843-8

Comentaristas: 
Luiz Gonzaga Vaz Coelho e Bruno Squárcio F. Sanches


Resumo: 
Estudo randomizado, duplo-cego, controlado por placebo (Estudo HEAT) realizado em 1208 centros de atenção primária no Reino Unido com objetivo de avaliar se a erradicação do H. pylori  reduz o risco de sangramento digestivo em pacientes em uso contínuo de AAS. Os pacientes incluídos no estudo tinham idade mínima de 60 anos, faziam uso contínuo de até 325mg/dia de AAS e apresentavam infecção por H. pylori confirmada por teste respiratório com carbono-13. Foram excluídos pacientes utilizando outras medicações ulcerogênicas ou gastroprotetoras. Entre 2012 e 2017, os participantes foram randomizados (1:1) para receber a combinação de claritromicina 500mg, metronidazol 400mg e lansoprazol 30mg, duas vezes ao dia, durante uma semana (grupo erradicação, 2677 pacientes) ou placebo oral, duas vezes ao dia, por uma semana (grupo placebo, 2675 pacientes). Os participantes foram acompanhados por um período mediano de cinco anos, a média de idade dos pacientes à inclusão no estudo era de 73,6 anos e 72,8% eram homens. Durante o período do estudo foram observados 141 episódios de sangramento digestivo significativo. Entre os 44 pacientes que apresentaram episódios de sangramento pela primeira vez (úlcera péptica confirmada/provável), 18 estavam alocados no grupo de erradicação e 26 no grupo controle. Análise dos resultados foi feita em dois períodos diferentes. Nos primeiros 2,5 anos de acompanhamento, os pacientes do grupo erradicação tiveram menor chance de internação por sangramento ulceroso do que os pacientes do grupo placebo (6 vs 17), redução de 65%. Entretanto, nos 2,5 anos seguintes do acompanhamento, foi observada uma redução desta proteção contra sangramentos digestivos. Os autores concluem que a erradicação de H. pylori pode ser obtida de forma segura (mais de 90%)  em grandes populações de pacientes idosos que recebam aspirina em dose de até 325mg/dia. A erradicação da bactéria foi associada a uma redução significativa de hospitalização por sangramento ulceroso, embora esse benefício tenha se perdido ao longo do tempo, achado ainda não observado anteriormente.

Comentários
É comum na prática clínica a dúvida sobre o real benefício de erradicar H. pylori na população idosa. Essa é a questão central de nosso artigo mensal.
AAS é amplamente recomendado na prevenção secundária de doença vascular trombótica, com o sangramento digestivo se constituindo em importante limitação a seu emprego mais disseminado. Embora a erradicação de H. pylori seja medida reconhecidamente eficaz na redução do câncer gástrico e na prevenção de úlceras em usuários de AAS/AINES, seu emprego na população idosa sofre restrições, especialmente relacionadas à presença de co-morbidades, declínio de funções físicas, uso de múltiplos medicamentos, esquemas terapêuticos anti-H. pylori complexos e efeitos adversos associados. O Estudo HEAT constitui o primeiro estudo randomizado para avaliar o efeito da erradicação do H. pylori na prevenção primária de sangramento digestivo ulceroso em pacientes idosos. Foi observado redução significativa de sangramento digestivo no grupo erradicado (pelo menos nos primeiros 2,5 anos) confirmando metanálises prévias sobre o papel do H. pylori no desenvolvimento de úlcera péptica e sangramento digestivo em idosos usuários de AAS em doses baixas (1). A perda do benefício observado após 2,5 anos de seguimento carece de mais estudos, sendo especulado, entre outros motivos, um eventual aumento da secreção ácida ou a redução da liberação de prostaglandinas protetoras após a erradicação do H. pylori.
Outro estudo importante associado ao tratamento da infecção por H. pylori no idoso foi recentemente publicado (2). Para avaliar se a erradicação da bactéria reduz a incidência de câncer gástrico em idosos, pesquisadores de Hong-Kong analisaram 73.237 indivíduos submetidos à erradicação de H. pylori e acompanhados por um período mediano de 7,6 anos. Durante o seguimento 200 (0,27%) participantes desenvolveram câncer gástrico. Em comparação com a população geral, pareada por idade e sexo, a terapia de erradicação foi associada a uma taxa de incidência padronizada significativamente menor para câncer gástrico de 0,82 (IC 95%: 0,69-0,97) entre pessoas ≥60 anos, 10 anos ou mais após o tratamento. Os autores sugerem o tratamento de H. pylori para prevenção do câncer gástrico, em todas as faixas etárias.
Evidências crescentes mostram benefícios na erradicação de H. pylori na população idosa. Cabe ao médico assistente, considerar a erradicação como medida alternativa ou aditiva ao uso de antisecretores como estratégia gastroprotetota para prescrição segura de AAS no idoso. Lembrar que a prevalência de H. pylori na população brasileira é superior àquela avaliada no estudo inglês, com potencial de maior número de eventos hemorrágicos. Igualmente, a consideração da erradicação de H. pylori como medida preventiva para o adenocarcinoma gástrico deve ser avaliada, dentro do contexto individual do paciente, particularmente na presença de gastrite crônica com componente atrófico ou metaplásico à histologia. Finalmente, vale lembrar — especialmente no mundo moderno — estudos que demonstram que avós infectadas por H. pylori constituem mecanismo significativamente importante de transmissão intrafamiliar da bactéria para crianças.

1. Sarri GL, Grigg SE, Yeomans ND. Helicobacter pylori and low-dose aspirin ulcer risk: a meta-analysis. J Gastroenterol Hepatol 2019; 34: 517–25.
2. Leung WK, Wong IOL, Cheung KS, et al. Effects of Helicobacter pylori treatment on incidence of gastric cancer in older individuals. Gastroenterology 2018;155:67–75.

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